quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Julio, meu amor.

"Por que stop? Por medo de começar as fabricações, são tão fáceis. Tira-se uma idéia de algum lugar, um sentimento de outra estante, amarra-se tudo com a ajuda de palavras, cadelas negras: e resulta que te amo. Total parcial: te amo. Total geral: te amo. Muitos amigos meus vivem assim, sem falar de um tio e dois primos, convencidos do amor-que-sentem-por-suas-esposas. Da palavra aos atos, meu amigo; em geral, sem verba não há comida. Aquilo a que muita gente chama amar consiste em escolher uma mulher e casar com ela. Escolhem, juro, já os vi. Como se pudesse escolher no amor, como se amar não fosse um raio que quebra os ossos e nos deixa paralisados no meio do pátio. Tu dirás que eles escolhem porque-a-amam; creio que é o contrário. Não se pode escolher Beatriz, não se pode escolher Julieta. Não podemos escolher a chuva que nos vai encharcar até os ossos quando saímos de um concerto. Mas estou sozinho no meu quarto, estou caindo nas artimanhas da escrita, as cadelas negras vingam-se como podem, mordem-me debaixo da mesa. Deve dizer-se embaixo ou debaixo? Mordem de qualquer modo. Por que, porque, pourquoi, why, warum, perchè, este horror às cadelas negras? Olhem-nas aí neste poema de Mashe, convertidas em abelhas. E aí, em dois versos de Octavio Paz, pernas do sol, recintos do verão. Mas Maria e a Brinvilliers são um mesmo corpo de mulher; os olhos que se turvam olhando um belo ocaso são a mesma óptica que se oferece com as contorções de um enforcado. Tenho medo desse proxenetismo, de tinta e vozes, mar de línguas lambendo o cu do mundo. Há mel e leite debaixo da sua língua… Sim, mas também está dito que as moscas mortas fazem cheirar mal o perfume do perfumista."

Julio Cortázar - O jogo da Amarelinha.